domingo, 10 de janeiro de 2016

Alberto Landgraf só pensa em comida

"Sou inquieto", diz o chef que explica como se inspira para as criações de seu elogiado restaurante Epice; ele também fala do 'jeitinho' mineiro de comer bem




Aos 34 anos, o chef de cozinha Alberto Landgraf não esconde sua paixão por Minas Gerais e até deixa transparecer a sua predileção pelas montanhas. Se, por um lado, a delicadeza e a sofisticação nas técnicas apuradas de preparo e execução estão nos pratos em seu restaurante Epice, um dos mais renomados do Brasil, por outro é aqui que ele se esbalda na simplicidade e no nosso “jeitinho” de comer bem – e, por que não, empanturrar-se. Come torresmo, pão de queijo, caldo de mocotó e leva tudo pra casa, na medida do possível. “Minas Gerais é o Estado do Brasil que mais tem conexão com a comida. E o ingrediente em geral, aqui, é muito bom”. 
 
Mas sua paixão é muito mais que uma comidinha de boteco aqui ou acolá. Landgraf tem laços de amizade aqui, mais precisamente com Rafael Mantesso, o publicitário mineiro com mil e uma ideias e que hoje está na comunicação do Fartura Gastronomia. É ele o responsável pelos pequenos tours gastronômicos durante uma escapada ou outra de Landgraf para a capital mineira. Em BH, gosta de marcar presença no Mercado Central, no Bar do Bigode, no Rei do Torresmo e no Silvio’s Bar. “O Rafa é meu melhor amigo, e acho que ele é muito parecido comigo. Ele tem uma ambição positiva, e faço questão de estar o máximo de tempo com ele. O Rafa lutou muito para conseguir o espaço que conquistou”, disse.
 
Durante o Festival de Gastronomia e Cultura de Tiradentes, que aconteceu no mês passado, ele comeu de tudo um pouco e também ensinou parte do público a cozinhar um dos pratos servidos no Epice: canjiquinha com picles de cebola roxa e legumes. “Depois da aula, uma senhora me contou outra maneira de se fazer a canjiquinha, que, segundo ela, é tradição de cem anos da família. Eu peguei a receita com ela e vou tentar fazer lá no meu restaurante. Eu gosto dessa troca, dessa interação. Eu ensino e aprendo na mesma proporção”, disse. 
 
O restaurante Epice, que fica em São Paulo desde 2011, conta com mais de 40 fornecedores (e mostra todos eles em seu site oficial) que abastecem o seu estoque. O resultado são criações que preservam os sabores naturais dos ingredientes em pratos elogiados, como pé de porco com picles de cenoura, feijão-fradinho e mousseline de foie gras e o robalo sauté com purê de limão, alho-poró, cerefólio e farofa de amêndoas. Mais do que merecido o posto de décimo melhor restaurante do Brasil em 2014, pelo “Guia Quatro Rodas”.
 
Landgraf já foi eleito o melhor chef jovem da América Latina pela revista britânica “Four” e tem passagem também por Paris e Londres na companhia dos renomados Gordon Ramsey e Tom Aikens. Além do Epice, foi sócio em um curto período de sete meses no Beato – fechado em maio deste ano –, mas esse ele prefere deixar pra lá, pelo menos por enquanto. “Estamos em um ano bem complexo economicamente. Quero focar cada vez mais fazer coisas no Epice do que em outros lugares”, disse. 
 
Por falar em focar, Alberto diz que pensa em comida 24 horas por dia. Depois de colocar requeijão de tacho em alguns pratos de seu restaurante, o próximo passo é colocar o jiló, ingrediente mineiro com que ele ainda não trabalhou. A gente fica aqui na torcida, né?


 

Minientrevista

“Sou inquieto, nunca quero ficar fazendo uma coisa só” 
 
Você é frequentador assíduo de BH. O que você conhece da cidade?
Eu vou muito ao Mercado Central, adoro comer lá. Também me levam pra comer sempre a carne de panela frita do Bar do Bigode, o dipi de queijo canastra com bolonhesa do Silvio’s Bar, o Rei do Torresmo e o caldo de mocotó do Nonô. Mas o meu favorito atualmente é o macarrão na chapa do Marcinho.
 
E você já comprou ingrediente aqui pra sua cozinha?
Sim, sempre compro aquele requeijão de tacho, que tem aquela raspinha embaixo. Levo pro Epice um bloco e faço sobremesa, entrada... Dura bastante tempo.
 
Qual ingrediente mineiro você tem vontade de usar, mas ainda não teve oportunidade?
Eu acho o jiló muito inusitado. Já visitei uns bares de Tiradentes, onde servem vários tipos de jilós, e achei incrível. Provei vários e eu vou tentar usar mais.
 
O que é cozinhar pra você? 
Eu acho que tem duas maneiras. A primeira é profissional, que é o que eu faço, e a segunda é em casa. Profissional é repetir, e nem sempre é legal. Tudo que vira trabalho não é legal. Chega num momento em que precisamos entender que cozinha profissional é mais uma repetição dos pratos, pra fazer do jeito certo. Em casa é mais descontração. Eu sempre chamo amigos, sempre dou uma função pra cada um, pra todo mundo participar. Mas se tem algo que une os dois lados é servir. Quem cozinha faz isso pra dar um momento especial pra quem vai comer. As duas únicas coisas que precisamos fazer pra viver é alimentar-se e respirar. Acho que é algo básico, mas ao mesmo tempo é confortável. No trabalho, eu mesmo fico preocupado em fazer algo diferente e inusitado, mas a gente esquece que a função número 1 é que estamos para servir e tornar o momento daquela pessoa especial, seja numa comemoração ou em um dia difícil.
 
E em casa você gosta de cozinhar o quê?
Eu sou praticamente vegetariano. Não como carne e faço muito legumes. Mas não é por ideal, é preguiça de lavar louça e também pra tentar ser um pouco mais saudável. Meu trabalho é muito físico, eu fico muito tempo em pé, muitas horas trabalhando, e assim eu tenho mais vigor físico pra trabalhar.
 
E o Beato (fechado em maio), você tem planos de reabrir futuramente? 
Por enquanto, não. Estamos em um ano bem complexo da economia. É um momento de refletir um pouco. Até com Epice, tudo ficou mais caro. E penso: “Será que preciso encontrar um caminho mais em conta?”. É um processo mesmo de pensar. Eu sou inquieto, nunca quero ficar fazendo uma coisa só, mas cada vez mais eu quero fazer mais coisas no Epice do que em outros lugares.
 
Os vencedores da última edição do MasterChef Brasil, Elisa e Mohamed, fizeram estágio com você no Epice e no Beato. Eles ainda estão trabalhando?
Elisa está na França estudando no Cordon Bleu, curso que ganhou de prêmio no programa, e o Mohamed está fazendo as coisas dele. Eles vieram procurar estágio num momento em que sofriam muito preconceito por conta da visibilidade do programa, e não conseguiam estágio. Eu dei o estágio, mas deixei claro que eles eram iguais a todos os funcionários. Eu gostei dos dois porque eles trabalharam bem e estava achando injusto ninguém dar uma oportunidade pra eles. 

O TEmpo

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