domingo, 10 de janeiro de 2016

Para redescobrir gostos e aromas do chocolate

Foco na origem e no tratamento das amêndoas de cacau eleva a qualidade e estimula a diversificação dos produtos nacionais



Ilhéus (ba). José Carlos Maltez de Souza Bastos, produtor de cacau e mais recentemente também chocolateiro, recorda uma má impressão que agora se revela infundada. “Há oito anos, o mundo não acreditava que o Brasil poderia produzir cacau de qualidade, muito menos, então, bons produtos derivados dele. Mas está ficando claro que isso não era uma verdade”, disse Bastos durante uma das conferências da sétima edição do Festival Internacional do Chocolate e Cacau, promovido há duas semanas em Ilhéus, no Sul da Bahia.


A fala dele reflete a continuidade de uma mudança gradativa na produção nacional de chocolates, a partir do reflorescimento do cultivo do cacau, especialmente naquela região baiana que, ao longo do século XX, assistiu ao auge e ao declínio da cultura cacaueira, provocado pelo impacto da praga fúngica, conhecida como vassoura de bruxa. Com a prática de medidas de controle da peste aliada a cuidadosos procedimentos na etapa pós-colheita, cada vez mais se inauguram caminhos que rebatem a visão citada por Bastos.
Tem provocado essa reviravolta a ampliação do foco dos produtores, que visualizam novas oportunidades além da amêndoa voltada para exportação, e estão investindo em sementes selecionadas para o desenvolvimento das linhas de chocolate gourmet, aqueles com percentual de 60% de massa de cacau para cima. Alguns empreendedores, inclusive, têm aprendido a confeccionar o próprio doce, fortalecendo o conceito das fabricações de origem, tendência que aparece também nos segmentos do vinho, do café ou do azeite.

“Costumo dizer que somos uma espécie recente no mundo porque nós estamos partindo do que nós produzimos até chegar no produto final. Nós plantamos o cacau, esperamos ele crescer, o colhemos e depois trabalhamos para transformá-lo no produto que todo mundo sonha, que é o chocolate”, frisa.
Tal envolvimento tem levado à presença de produtos muito singulares no mercado, como a celebrada marca Amma, uma das pioneiras desse segmento e desenvolvida pelo também baiano Diego Badaró. Além dessas, Marco Lessa, organizador do festival, identifica atualmente cerca de outras 20 apenas na Bahia, entre elas a Sagarana, de Henrique Almeida, e a Mendoá, coordenada por Raimundo Mororó, um dos sócios da fábrica e ex-pesquisador da Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira (Ceplac). Para Lessa, todo esse crescimento mostra como a importância desse campo se confirma e ainda deve se expandir.


“Hoje, nós percebemos a consolidação das marcas que começaram gradativamente a partir de 2009. Nenhuma delas recuou nem deixou de avançar nesse processo, tanto do ponto de vista de aperfeiçoamento do uso do cacau de origem até a preocupação com a embalagem e com a diversificação de produtos, tendo em vista a distribuição deles no mercado nacional e internacional”, diz Marco Lessa.
Enquanto o interesse por amêndoas especiais, que cumprem os estágios necessários de fermentação antes de serem torradas, torna-se uma prioridade de produtores, amplia-se também uma cadeia de profissionais atentos às vantagens de se oferecer algo único ao consumidor. A procura por características específicas de sabor, textura e aroma provenientes de safras de cacau oriundas de lugares específicos é o que define, por exemplo, uma das etapas do trabalho da chocolateira paranaense Bárbara Sordi.

Durante o evento, ela fez o pré-lançamento da linha de trufas Countle, que se ancora no universo do cacau de origem. “O mais interessante de se trabalhar a partir desse tipo de matéria-prima é que nós temos a possibilidade de ter controle de todo o processo de produção. Eu pesquiso os melhores fornecedores a partir da escolha do tipo de amêndoa que mais me interessa. Desse momento em diante, consigo elaborar receitas que são muito originais”, pontua Bárbara Sordi, que pretende em breve inaugurar um site de vendas.
O gaúcho Andrei Martinez, que desde 2014 desenvolve sua própria linha de chocolates, parte do mesmo princípio que move a produção de trufas de Sordi. “Agora eu venho cada vez mais me interessando em saber quem são os melhores produtores, sejam eles da Bahia, do Pará, de Rondônia, do Amazonas ou do México. Tenho muito interesse de ir nos locais, experimentar as características das amêndoas ‘in loco’, buscando ‘terroirs’ de cacau que me possibilitem produzir novas receitas”, diz Martinez.

Raimundo Mororó, ao avaliar as vastas possibilidades de se explorar as nuances do cacau brasileiro, observa como aos poucos está sendo construído um novo conceito de chocolate fino. “O nosso cacau já foi apontado como sendo mais ácido e amargo em relação aos tipos de outras espécies. Mas hoje nós temos a capacidade de equilibrar alguns elementos para que sejam ressaltados outros, como os sabores frutados e os aromas que têm conquistado pessoas”, conclui.







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